29 de fevereiro de 2008

Imagens gastas, retinas cansadas


legendas possíveis>(fotos catadas aleatoriamente no google - poderiam ser de 'Enraizados'?) ou (por quanto tempo uma imagem consegue ser bela?) ou ainda (o que é mais belo - o sertão ou a sua fotografia?)



Contradizendo a carta manifesto deste blog [post abaixo], não nos interessa no momento discutir o filme ‘Enraizados’ e sim o seu entorno. Mais uma vez temos um filme que explora visualmente o sertão paraibano, a miséria existencial dos estereótipos que lá habitam (e que fique claro o ‘lá’ é muito longe de onde escrevo agora, tão longe que minhas pernas não alcançam assim tão fácil como pode se pensar), a peregrinação pela água e a labuta diária sob o sol escaldante (sol este que ‘aqui’ posso acalmar com ventiladores portáteis e ar-condicionado de 7,5 mil BTU’s). Não se trata de combater ferozmente o dito ‘cinema rural’ e sim de problematizá-lo, pensar novas soluções éticas e estéticas. Estamos cansados de cores saturadas, planos bem enquadrados, música forçosamente regionalista, representações óbvias e atuações convincentes. O problema não é de fundo é de superfície. Sim, sabemos do sofrimento alheio, mas não sentimos.

Interessante pensar que o sintomático título ‘enraizados’, metáfora clara que se refere a dupla de personagens centrais, também serve como uma metáfora para o próprio cinema paraibano. Cinema é som e imagem em movimento. Com raízes não podemos nos mover.

O sertão paraibano não é tema novo e nunca será passado. Domesticar a sua beleza é soterrar a sua potência imagética. Por isso ainda espero o dia em que um garoto urbanóide calçado de Nike e boné do Los Angeles Lakers irá sacar a sua Sony de 4.1 mega pixels e fazer qualquer coisa que lhe der na teia com seus miolos fritando sob o sol (ainda e sempre) escaldante.

p.s.: Chico Viola e Marco Di Aurélio são personas dignas de um filme de Jodorowsky. Ao invés de irmãos que esperam a morte chegar, prefiro pensá-los como profetas lunáticos pregando filosofia oriental ou misticismo pagão.

Enraizados, de Niu Batista
Exibido no Teatro Santa Roza na quarta-feira 27 de fevereiro. Sessão lotada. Bela exibição, mas sem conversas instigantes ao final.

28 de fevereiro de 2008

Em meio aos moluscos e monstros marinhos


Há de se notar que o ‘cinema paraibano’ já não mais existe. Existem os filmes, mas eles não bastam, são tímidos e incompreendidos, poucos e amorfos. Alguns acreditam que a Paraíba tem vocação para o cinema (como nos lembra cotidianamente o cineasta Torquato Joel e sua prosaica frase perfeitamente encaixada no clip publicitário da TVE/cultura). Outros evocarão mais uma vez os imortais, sempre eles, inquietos em suas tumbas elegantes e desconfortáveis, ostentando a glória de nossos antepassados. Não por acaso, um certo curta chamado ‘Aruanda’ será evocado, será a prova inconteste da força e da capacidade do cinema paraibano, será nosso mártir, nosso orgulho estampado em nome de festivais universitários, será o exemplo eterno a ser seguido e reverenciado. Os mais antenados e otimistas podem inclusive crer na nova, ou novíssima, geração de realizadores, como preferem chamar os jornalistas culturais da cidade, como se a juventude mais uma vez pudesse sublimar a sua típica rebeldia em pérolas ousadas de intensa e apaixonada criatividade artística.

Disso tudo, nos resta uma vocação que não se realiza, uma história que não se desenrola e um futuro que não se descabela. E o cinema paraibano passa a ser um jargão jornalístico para se referir a um contexto disperso e amorfo. Conjunto vazio do ponto de vista de reflexão sobre os filmes que aqui são feitos, pois se não há unidade ou algum tipo de diálogo entre os exemplares desse contexto, é estranho também constatar que não existe uma grande diversidade estética entre eles. E há de se lamentar caso se chegue à conclusão de que nossos filmes são pelados, sem serem pornográficos, são desconectados, sem serem originais, são apolíticos, sem serem anarquistas e são frutos de desejos individuais ou grupais, mas estão longe de ser masturbação ou suruba estética.

O cineasta Samuel Fuller dizia que o cinema era um campo de batalha. “Precisa haver morte, precisa sangue quente pulsando na veia, precisa de paixão, de paixão”, bravejava ele com a serenidade típica dos que pensam e se angustiam, enquanto se livrava de um jornalista magro e de óculos escuros que se encontrava no set de filmagem do seu filme ‘O homem que matou Jesse James’. É nesse campo de batalha, capaz de despertar emoções tão intensas quanto o enredo de uma novela das 8, que se pode fincar uma bandeira reluzente, ou então arrancar um mastro velho enferrujado nas entranhas da terra, ou costurar uma outra bandeira que ainda pulsa contra as sucessivas rajadas de vento às quais foi submetida. Mas é preciso perceber e fazer desse campo um espaço vivo e pulsante.

Então vamos a eles, a nossa única possibilidade de fincar os pés nessa batalha, vamos aos malditos ou santificados filmes que são realizados no dito cinema paraibano, vamos xingá-los, culpá-los da derrota de toda uma geração, ou vamos exaltá-los, ostentá-los em nossas paredes sedentas de boas novidades. Não se trata apenas de discutir, mas sim de afirmar, procurar aliados e seguir em frente, botes contra a corrente na direção do surpreendente abismo vindouro, onde poderemos enfim encontrar em meio aos moluscos e monstros marinhos, alguma pista secreta que nos leve ao tesouro perdido soterrado na ilha da Fantasia.