21 de abril de 2008

As máquinas estão trabalhando


Instrumento detector de alguma coisa, de Otto Cabral

Talvez você tenha razão Nazário, no mundo tudo já está disseminado. E as imagens então..piii...nem se fala. Nossas vistas confusas e imersas em tanta informação às vezes já não mais consegue perceber o mundo. Retê-lo. Talvez você não tenha visto, afinal não sabemos muita coisa sobre seu passado, mas tem um documentário chamado ‘janela da alma’ em que um entrevistado que se chama Win Wenders diz que usa óculos de aro preto desde criança. Ele diz que gosta, porque limita a sua vista, seleciona, enquadra. E como é importante essa seleção. O diretor só tem que escolher entre as opções possíveis, seguir o seu tino guiado pela sua sensibilidade, farejando possibilidades estéticas, imagéticas, formais e discursivas.

Mas enfim, não era sobre isso que eu gostaria de falar. A sociedade da informação já rendeu alguns trabalhos acadêmicos e algumas boas conversas em mesas de bar. Estive pensando nessa batalha silenciosa entre a fé de um cineasta (ou o primeiro espectador) e a recusa de um personagem. O cineasta (ou o primeiro espectador) crente de uma revelação porvir, e um personagem que pensa, que não se deixa captar. O tempo passa a ser fundamental, passa a ser determinante numa batalha. E se por 10 minutos temos a síntese de um dia (amanhecer/anoitecer), também nos sentimos na batalha, afinal, não sabemos nada sobre você, sobre o seu silêncio, mas pacientes e fascinados com o mistério que lhe envolve, aguardamos a revelação.

E o clímax virá. Você não se revela, mas revela todo o processo, desmascara a angústia do documentarista, desmascara a impossibilidade de captar um personagem, de captar a vida. As máquinas trabalham, mas ainda são leigas. O ancião em silêncio prepara a sua rede. Do que me importa se tu és o diabo ou Antonio Nazário? Fico com a câmera e com o plano frontal perfeitamente cinematográfico, porta sendo fechadas como o pano que cobre o espetáculo, como a janela que se fecha na hora do sono, como o fade do cinema mudo. Enquanto tu me escapa pelo lado do quadro, eu continuo com a minha fé nessa imagem final. Antonio Nazário: agora um personagem, agora uma imagem, agora eterno, agora disseminado.

Um comentário:

Anônimo disse...

tá certo e eu aceito: pode me chamar de manteiga derretida. que lindo, arthur. é que a imagem de seu nazário, mais a maneira como otto captou gerou um resultado realmente incrível.