30 de maio de 2008
Reflexões solitárias sobre uma terra conhecida
solitários no cinema tailandês
solitários na rodoviária de CG
Terra Erma, de Helton Paulino
Campina Grande tem apresentado recentemente uma safra de filmes corretos e bem acabados, o que me causa uma certa sensação de entusiasmo e desconforto. Na sessão descrita logo abaixo que apresentou um painel bem significativo do cinema feito em CG, o filme que mais me chama a atenção é Terra Erma, de Helton Paulino. E nem coloco em termos de melhor ou pior, mas sim que ele parece sintetizar um pouco anseios gerais de uma linha específica de pensamento cinematográfico. Nesse ponto, coloco ele bem próximo ao ‘o bolo’ de Taciano. São filmes tecnicamente bem feitos, com roteiros minimalistas, decupagem segura e sem diálogos em sua maioria. Tudo certo, tudo bom, porém não pulsa, não respinga quase nada no espectador, e fica por fim uma sensação de indiferença, mas com certo respeito pelo filme alcançado. Basicamente são filmes como aqueles estudantes que se esforçam pra não errar e acabam conseguindo passar por média (alta por sinal) mas nunca conseguem levar a menina mais linda e popular pro cinema ou marcar algum gol na final do campeonato inter-classes (emoções mais verdadeiras do que elogios pomposos de professores inteligentes).
Mas voltando ao filme. Avante. Terra Erma nos propõe basicamente a experiência de observar um dia normal no instigante espaço da rodoviária. Encontros e partidas sempre renderam e sempre devem render um bom material humano para anseios artísticos. Já do título se sabe que o espaço é o protagonista maior do filme, mas eis que nos aparece um personagem que funciona como um elo ficcional para nos aproximar do painel geral apresentado. Mesmo sendo claramente ficcional, o filme flerta com o documentário (que por sinal já rendeu um DOCTV que se passa na rodoviária de Santa Catarina, me parece) e se mostra bastante antenado com o cinema contemporâneo de boa estirpe, mas não sinto nele a potência de revelação do mundo em todo o seu frescor que é a força motriz do bom documentário observativo ou a fluidez orgânica e concentrada da boa estirpe que cito acima e que falo abaixo.
Trago essa questão do documentário observativo à tona, por achar que o personagem central meio que configura esse observador distante, que só consegue se envolver com os dramas que se desenrolam a sua frente de forma solitária e voyeurística. Fica claro em uma cena na qual ele se afasta de uma mulher que senta ao seu lado. Pra sentir, ele precisa se afastar. E aí reside talvez o grande dilema do filme. Imersão ou distração? Distância ou proximidade? Como sentir o filme, se ele parece cambalear inseguro nessas duas direções?
Primeiro nos parece um filme com pegada realista e o uso do artifício do personagem aumenta a sensação de proximidade com o material filmado, afinal, personagem é o principal trunfo do cinema ficcional para envolver o espectador na ação do filme. Mas temos diversos planos muito baixos que fogem do tom naturalista, mas não estou certo que acrescenta algo ao todo, me dando a sensação simplista de ser uma predileção estética de decupagem ou então de ter o significado raso de serem pessoas (figurantes) anônimas. Mas o principal mesmo é uma sacada original que só interessa realmente ao público cinéfilo e que chama tanta atenção pra si que às vezes me dá a sensação de ‘onde está Wally?’. Deixando mais claro, gosto muito da sacada, mas acho que não se conecta bem com o filme em questão. Dispersa um pouco.
Achei estranha a escolha do cineasta referenciado em uma cerveja. Seria mais legal uma lata com o design da coca, escrito Tsai-Liang, com aquelas perninhas puxadas do refrigerante citado. Afinal, por que sempre prestar homenagens a cineastas já obviamente fodas e sagrados e que todos gostam e caso alguém não goste, o problema é todo seu. Ok, pensando melhor, vamos prestar homenagens ao mestre.
Digressão Tsai: ‘Goodbye Dragon Inn’. Além de lançar um olhar sensível e fascinante sobre um espaço bem conhecido de todos nós, a sala de cinema, Tsai constrói cenas e situações que não devem se esvair da memória tão cedo. Tempos mortos e enquadramentos fixos suscitando uma incomum sensação de vitalidade cinematográfica, nesse ponto, se assemelhando ao cinema de ação física, de igual pra igual com os samurais se enfrentando na tela. Cada vez gosto mais de filmes que desconcertam a ponto de fazer o espectador exercitar o pescoço pra chegar mais perto da tela, literalmente mesmo, ou olhar pro lado procurando cumplicidade nas reações alheias.
No decorrer do ‘Terra Erma’ a exploração do espaço e a curiosidade em perceber a percepção do personagem central vai se esvaindo até o ponto da neutralidade. Uma pena que o filme se encerre com um plano meio forçado demais em sua vontade de descrição metafórica. Tudo muito controlado, sem ar pra respirar e nem saco plástico pra sufocar de uma vez por todas. Talvez seja o grande mérito do filme, talvez seja apenas uma impressão de observador distante.
concluo: ‘Terra Erma’ me faz crer que a cartilha foi aprendida, mas que a rebeldia ainda será mais imponente. O problema é desperdiçar o liquido sagrado da cerveja cinéfila ao final. Um pouco de bebida não faz mal a ninguém.
p.s.: a rodoviária de CG é a 3ª mais organizada do Nordeste.
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2 de maio de 2008
Os nibelungos, os campinenses, um ato de amor e uma sessão lotada aplaudindo de pé o guardador
Banzo Analítico, de Taciano Valério Terra Erma, de Helton Paulino Amanda e Monick, de André Costa Fotograma, de David Sobel Ecossistema, de David Sobel Metanóia, de Ronaldo Nerys, Hemacromatose, de Bréno César
Alguns dos novos filmes realizados em Campina Grande injetam ânimo e frescor na atual produção de cinema na Paraíba. O panorama exibido no Tintin, ou overdose, deixa claro a inegável força e a refinada educação estética de jovens realizadores atuantes na produção, na cinefilia e na articulação política do setor. A cada novo filme exibido (me parece que a maioria recém finalizado), dava pra perceber um grupo coeso mas não homogêneo em suas escolhas e interesses, o que é sempre bom e abre perspectivas para os novos rumos traçados por uma geração em busca de visibilidade e de afirmação artística.
Ainda espero poder discorrer sobre a minha relação de espectador com cada um dos filmes exibidos, mas a idéia agora é falar em sentido amplo e auto-afirmar uma posição pessoal em relação ao cinema paraibano: antes de mais nada acredito no desejo individual/coletivo em produzir e se lançar nesse abismo de mil léguas que é a aventura de se fazer um filme. Não importa o que lhe move, o que importa é o que você consegue mover.
Filmes são realizados e apreciados por diversos motivos. Apenas olhos e ouvidos que percebem podem ampliar e dar continuidade a experiência cinematográfica. Digo isso pra estabelecer um parâmetro que me parece distanciar o ato de criar e de criticar: enquanto um pressupõe a vertigem do envolvimento do processo criativo, a crítica se firma (e se afirma, infelizmente) como a incapacidade de perceber o outro (fora de seus interesses estéticos e filosóficos), mantendo uma desconfortável posição de distância em relação aos filmes que não lhe pertencem. Só a partir dessa reflexão motivada por questões pessoais e totalmente não relacionadas ao universo cinematográfico, consigo entender melhor a afirmação de Paulo Emílio Sales Gomes: o pior filme brasileiro é mais interessante que o melhor filme estrangeiro.
Consigo entender, mas não assumir inteiramente o slogan. As opções tão aí e as escolhas são sempre individuais. Algo sempre se move por trás e na frente da tela, nem que seja os espectadores que abandonam a sessão antes do fim, ou os entusiastas que aplaudem e se levantam euforicamente para externar o seu gosto. E é por isso que acredito nos filmes: Profissão de fé, como a interpretação de Truffaut para a última cena do filme ‘Luz de inverno’ (de Bergman), ou simplesmente um ato de amor, como o mesmo Truffaut acreditava que seria o cinema de amanhã (obrigado galera da margem, em especial Mirella Burity pelo lindo texto).
Ver um filme como ‘amigos de risco’ (esquema guerrilha produzindo por amigos em Recife) ou então presenciar uma sessão lotada no cine PE aplaudindo intensamente o filme ‘o guardador’ (feito por uma pessoa apenas: Diego), são experiências du karalho, assim como ambos os filmes são: du karalho.
E que se foda os erros, vacilos, incapacidades ou minhas opiniões e referências cinematográficas: eu quero mergulhar junto no sangue do dragão e ser invencível pra conquistar minha bela Kriemhild. Mesmo sabendo que meu tornozelo pode me matar (foto ao lado: os nibelungos - Parte I, de fritz lang).
ENTRE PARENTÊSES
Vamos a cerveja pra esclarecer:
(piada interna) ou (quem vencerá: juntem os filmes, os prêmios, as bitolas e as críticas e façam a contagem final)
Bom, falando de política, ao final da sessão do Tintin rolou um clima estranho que parecia querer acirrar uma disputa que não existe entre o cinema de Campina Grande e o cinema de João Pessoa. Em meio a provocações explícitas de que os realizadores pessoenses não conhecia a realidade campinense (com louváveis exceções segundo consta), e também em meio a uma exaltação pessoal em relação a produtividade do ‘Moinho do Engenho’, onde os campinenses não esperam editais e nem latas de películas para poderem filmar, fico com a cerveja ao final e com a certeza que os realizadores campinenses e pessoenses e paraibanos em geral (do moinho, da ABD/PB, das universidades, das ruas, do interior, ou da casa do caralho, tanto faz pra mim), continuarão fazendo cinema como bem entender, em VHS, HVX, PD, 35mm, 16mm, web cam e na quantidade que quiser e puder fazer. Respeito a articulação e a produtividade do grupo, e respeito principalmente o discurso de afirmar um espaço e um destaque que certamente o cinema realizado em CG já têm, mas acho danoso qualquer intento de desarmonia ou mal entendido, e só concordo em manter um clima de competição caso se disputa no pedra-papel-tesouro, muito mais legal do que dá nota aos filmes. Mas sei que não é nada preocupante (vários realizadores reafirmaram na ocasião a vontade de integrar cada vez mais a Paraíba em torno da produção cinematográfica) e que as perspectivas apontam para uma cooperação mais forte nos próximos projetos ...
E Finalmente sobre A MARGEM
A galera da margem intimou os realizadores criticados em seus textos (eu estou no meio com o maior prazer), e aceitando a sadia provocação de Ramon Porto (escritor do editorial entitulado ‘Um Cão Andaluz’ da edição nº 6, ano 1), publico em breve um texto chamado ‘não há margem sem centro’. A revista é boa demais, os caras e as mulheres gostam de cinema extremo (gozei de alegria ao ver referências a fulci, Deodato, bo vernius, nuneexplotation...etc), escrevem descendo o cacete com uma pretensa firula crítica que admiro mesmo com ressalvas e ainda mantêm um horóscopo tosquíssimo na última página que me faz sorrir tranqüilo ao saber que existem tantos ficcionados e cinéfilos loucos (como todos devem ser) há alguns KM de onde escrevo agora. Só não me convence uma certa monogamia crítica que por vezes revela uma incapacidade em fugir do óbvio e alcançar a maturidade fora do limbo universitário. Talvez por isso não conseguem incluir os realizadores no processo de discussão e reflexão.
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