26 de julho de 2008

Banzo Analítico e o Cinema Paraibano Hoje e Amanhã


sobre Banzo Analítico, de Taciano Valério

Por Anacã Rupert Agra
Publicado na 8ª edição da revista/jornal/zine A Margem)

O filme “Banzo Analítico”, 2008, de Taciano Valério, demonstra, de uma forma um tanto geral, que o cinema paraibano já tem o necessário para fazer boas obras. Do aspecto técnico não se pode reclamar. A fotografia é competente, embora um tanto acadêmica, a direção é segura, e a montagem é responsável e vertical, pois consegue agilidade ou linearidade, de acordo com o necessário para o filme. O filme carece, realmente, de texto. Não digo apenas texto falado, pois quanto a isso nem se pode exigir muito de um filme que não tem diálogos, mas apenas um monólogo bastante elíptico, e essas falas nem são tão más, são, às vezes, até interessantes.

A falta de texto a que me refiro diz respeito ao roteiro no todo. Para se contar uma história, é preciso ter uma história para se contar, isso é o mais básico. Pode-se argumentar, tão ao gosto do cinema independente, principalmente o cinema pobre (pobre em recursos monetários mesmo), que se trata de um filme lírico. Ora, não há dúvida de que existe uma história no filme “Banzo Analítico”, embora apenas embrionária, apenas um fio de história, mas ela está lá. Sendo assim, trata-se de um filme narrativo, e um filme narrativo precisa de uma boa história. Essa é a maior falta do cinema paraibano. Falta uma boa história para se contar. Não que elas não existam por aqui, claro que existem. Mas onde estão os cineastas capazes de reconhecer uma boa história e colocá-la na tela? Já vi algumas, e cito aqui dois filmes com boas histórias, filmes recentes, paraibanos (os primeiros que me lembro agora): “A encomenda do bicho medonho” (de André da Costa Pinto), e “Instrumento detector de alguma coisa” (de Otto Cabral).

“Banzo Analítico” se resume a uma consulta com um analista. Um homem jovem fala de seus problemas de forma tão lacunar que se torna quase impossível para o espectador recriar, na sua imaginação, os problemas dele. Confrontando as imagens em preto e branco do homem no divã, há as imagens coloridas de uma criança que fita o espectador, como se pedisse ajuda. A criança também aparece nas imagens em preto e branco, em uma montagem interessante, que metaforiza o retorno do homem à infância, seja em lembrança, seja em trauma. O filme começa com uma bela imagem de um trilho de trem, em preto e branco, com alguém se aproximando de outra pessoa (sabe-se depois que é o menino, a criança que se torna o homem analisado) que joga pedras no trilho. Vem o título do filme, em vermelho, e logo temos uma cena recheada de minimalismo, em que um homem se prepara para começar sua análise. De forma metódica, ele retira sapatos, meias, carteira, relógio, e os coloca no chão, em posições simétricas. Várias imagens repetidas desse mesmo ato, com pequenas alterações, são intercaladas na montagem, de forma que a repetição do gesto, no tempo, ou na memória, espelha-se na edição, com imagens repetidas e fragmentadas. Pelo que diz o homem no divã, podemos entender, de forma um tanto geral, que o trauma dele é ter sido retirado de casa, mas não sabemos sob que contexto.

Se atentarmos para o “banzo” do título, podemos inferir que o caso dele é de nostalgia, de uma saudade que ele sente do passado, de um lugar onde ele viveu e não vive mais, de ter sido retirado de seu lar, tal qual os escravos africanos, cujo banzo terminava muitas vezes em suicídio. O homem, agora de condições aparentemente bem melhores do que sua contraparte criança, parece não ter se recuperado desse trauma. Mas o que significa o trem que aparece tanto em imagem quanto metonimicamente, através dos trilhos e do som? Outro bom momento da montagem é o olhar do menino para o analista, que retorna como homem, criança dentro de adulto. Uma frase se repete: “não entendo por que tento vê-lo”. Recurso mais uma vez minimalista, mas o que essa frase revela? No final, o analista senta-se no divã e repete os gestos metódicos do homem. Mais uma vez pergunto: qual a razão disso? Simplesmente para dizer que a loucura está em todos? Muito simplista, não é isso. É ótimo quando um filme tem difícil entendimento, quando o espectador precisa compreender o que está por trás daquilo tudo. Mas se é necessário explicar, o filme falha. Um esforço mental para um melhor entendimento de uma obra revela uma boa obra, pelo menos em um aspecto. Quando essa obra se torna ininteligível, ela não consegue comunicar, e falha em todos os aspectos.

O filme ganha força, realmente, apenas nos aspectos técnicos. Além dos aspectos de que já falamos, como a direção segura de Taciano Valério, a fotografia competente de Breno César, e a boa montagem de Glauco Machado, Breno César, David Sobel e Taciano Valério, há uma direção de arte interessante, de Carlos Mosca, e um ótimo áudio de Gustavo S. Rocha, coisa rara no cinema brasileiro como um todo (se bem que, nesses últimos anos, isso tem mudado). As atuações são aceitáveis, principalmente a de Guaraci Silva, cujo trabalho no filme é o mais difícil: ele não só fala, grava seu monólogo, mas age praticamente apenas com o rosto, já que fica deitado quase imóvel durante quase todo o filme. Disso se conclui o que já foi dito, que “Banzo Analítico” é um filme emblemático de um problema cada vez maior no cinema paraibano: não ter o que contar. Domina-se a técnica, mas faltam idéias e histórias boas. O aspecto mais promissor do cinema independente no geral é a liberdade para se criar o que quiser. Os cineastas daqui, em geral, no entanto, parecem carecer da mesma coisa que carecem os poetas iniciantes: o domínio do tradicional. É preciso aprender a contar uma história de forma tradicional, acompanhando o modelo de narrativa clássico, antes de se fazer filmes “líricos”, da mesma forma que é preciso aprender a escrever um soneto antes que se use verso livre, verso branco.

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