sobre Terra Erma, de Helton Paulino
Por Nathan Cirino
(Publicado na 7ª edição da revista/jornal/zine A Margem)
O lançamento de Terra Erma, novo filme do diretor Helton Paulino, reuniu no dia 18 de abril diversos cinéfilos campinenses na Associação Comercial de Campina Grande. O trabalho foi feito durante o mês de janeiro deste ano, somando cerca de 42 horas de trabalho de uma equipe composta por aproximadamente 35 pessoas.
O filme de quinze minutos de duração foi apresentado primeiramente por seu produtor, Ronaldo Nerys, e em seguida a palavra foi passada ao idealizador do projeto. Helton agradeceu ao próprio Ronaldo e também a Jhésus Tribuzi, assistente de direção e continuista, pelas contribuições a ele conferidas para realização do curta-metragem. Passada a solenidade – rápida, diga-se de passagem – fomos entregues à terra erma.
Inicialmente, o que chama a atenção são os créditos, inseridos criativamente em elementos do cenário. A partir daí já poderíamos deduzir o grau de cuidado e meticulosidade que a produção iria adotar. O curta mostra a história de um homem e sua necessidade de contemplar os encontros e despedidas em uma estação rodoviária. Somem-se aqui as oscilações de humor e toda a carga dramática que o personagem toma para si de acordo com as situações que presencia e teremos a premissa do filme. Um contexto simples, direto, mas rico em sua abordagem e sutilezas. Ver aquela simbiose entre homem e lugar é como viajar dentro do verdadeiro personagem: a rodoviária. Vagamos por ela através de um homem silencioso, que por vezes questionamos ser real ou não. O mérito de Helton está na sensibilidade de mostrar ao público mais que um contemplador errante, está em mostrar uma entidade, um símbolo que bebe, fuma, chora e ri. Quase uma personificação dos sentimentos ali presenciados.
Quando li uma apresentação do filme e fui informado de que os quinze minutos de curta-metragem não apresentavam falas, soube instintivamente que estava diante de um bom roteiro. Como afirma Michael Rabiger, cinema é ação: “tire o som de um filme e você saberá se está diante de um roteiro bem estruturado”, constata em seu livro Direção de Cinema. Um roteiro que se faz entender pelas ações, pelos olhares e planos tão próximos dos olhos quanto dos sentimentos. Claro que não estou aqui desmerecendo o som, mas apenas ilustrando a força da ação dramática explicitada no vídeo. Aliás, o som por sua vez é outro ponto forte. Guga Rocha mais uma vez realiza um trabalho competente, rico em suas variações de elementos. Diversas vezes, a sensação de ambiente movimentado e cheio de transeuntes foi transmitida unicamente através do som. Graças a ele, mesmo em planos solitários do personagem principal, sentimos toda a correria e agitação de um terminal rodoviário sem nos darmos conta de que tamanha informação está sendo passada para nós unicamente pelo trabalho do diretor de áudio.
Outro ponto técnico muito interessante no filme é a direção de arte, assinada por Carlos Mosca. Os tons azulados em sua maioria e os demais tons frios são quase unanimidade do filme. Não há um item sequer com alguma cor quente, que invoque proximidade, ânimo, euforia. Pensar em um filme “frio” para abordar como tema uma rodoviária, com todo seu movimento, vida e agonia pode soar como um erro, mas a soma das partes fala mais alto. O ambiente reflete o personagem – ou seria o personagem que reflete o ambiente? Tudo é frio. Desde a reação inicial de não levantar os pés para o funcionário que varre o chão até o momento de sair da cadeira quando alguém se senta a seu lado. Os tons azulados casaram com o personagem e o cenário de forma a construir uma estética rica em seus significados.
Cada um destes detalhes, cada uma das nuanças de Terra Erma refletem uma sensibilidade admirável de Helton Paulino. É explícito e quase suplicante o convite para interpretações pessoais dos mais diminutos detalhes. Um convite a uma terra erma, solitária, mesmo dentro de um ambiente tão cheio de pessoas, das mais diversas idades, com os mais diversos objetivos e experiências de vida. Uma invocação de análise de nossas próprias terras ermas, e eis aqui o foco do vídeo. Falar nesse lugar, mencionado a princípio de forma enigmática no título do curta, é falar de uma introspecção do personagem principal. Não falamos aqui, portanto, da terra erma da rodoviária (que não existe), mas sim da terra erma intrínseca ao personagem, carregada para cima e para baixo como uma mala de viagem em busca de um ônibus que nunca chega.
Mas tudo isso, todo esse conteúdo silencioso, transbordando de imagens bem cuidadas por parte do diretor de fotografia Bruno de Sales, não seria tão expressivo sem a atuação de Gagah. Eis aqui um dos grandes trunfos do filme. O ator apresentado pelo curta consegue captar a alma do texto, construindo um personagem tão sutil quanto as intenções do diretor. Uma interpretação tocante e profunda, rica de pensamentos que tantas vezes parecem audíveis em meio a um roteiro de falas mudas – o que demonstra a entrega de Gagah ao papel. Crédito também seja dado ao diretor de elenco, André da Costa Pinto, que conseguiu um resultado no mínimo satisfatório.
Quando Helton encerrou a apresentação de seu curta, afirmando se tratar de um filme estético, com público ainda existente embora seleto na nossa sociedade, eu me senti quase na obrigação de intervir. Claro que me mantive quieto, mas explicarei melhor minhas palavras. Terra Erma tem sim um apelo estético, mas não acho que isso faça dele um filme desprovido de narrativa. Se ser “estético” é primar por uma arte expressiva, um som envolvente e um roteiro rico de simbologias, então que sejam estéticos todos os filmes de hoje em diante. Sejamos mais profundos e cheios de conteúdo, com filmes que possam realmente ser chamados de Arte. Sejamos criadores de qualidade para que essa terra erma se povoe e, juntos, possamos elevar o nome do audiovisual na Paraíba.
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